O cancro é mesmo assim. Aparece quando menos se espera. Leva consigo quem ainda tinha muito para viver. O António Feio foi, no último ano e meio, o rosto dessa terrível luta pela qual imensas pessoas passam.
Enquanto aluna de Enfermagem, lidei com essa realidade bem de perto e pude ver como esta doença vai sugando a vida das pessoas, deixando-as verdadeiros farrapos.
Nunca me esquecerei do Sr. A., 37 anos, cancro no estômago. Ia ao centro de saúde fazer os tratamentos às feridas cirúrgicas. Gostava de falar, contar as suas peripécias com a esposa que era ciumenta, falar dos filhos, falar da vida. Passado algum tempo deixou de aparecer aos tratamentos. Talvez a doença lhe tivesse dado outro duro golpe, debilitando-o ainda mais. Passados 3 meses, aproximadamente, encontrei-o novamente, desta vez no hospital, aquando do meu estágio de cirurgia. Era o senhor do quarto 30, o doente em fase terminal. Isto chocou-me de uma certa forma. E ao longo do estágio ele foi ficando cada vez pior. Caquético, sem forças, sem vontade de comer, perdendo o paladar ao longo do tempo. Nunca foi meu doente mas houve um turno em que lhe fui monitorizar a temperatura corporal. E ali estava ele, deitado como se fosse uma criança, sem forças para se mexer e nem sequer para falar. Foi a última imagem que guardei dele. Até ao final do estágio ele permaneceu vivo, continuando a lutar por uma batalha que já estava mais que perdida.
Hoje esta realidade está mais próxima de mim. Há cerca de dois anos foi diagnosticado ao meu avô cancro na próstata. Foi operado e actualmente, com 85 anos, encontra-se a fazer quimioterapia. Muito debilitado. E a cabeça também não ajuda. Neste momento está internado com uma fístula que drena um líquido purulento, com cheiro fétido. Não sabem o que será. E eu não sei como será o futuro. Aliás, ninguém sabe.
A luta continua.
Obrigado pelo exemplo de coragem, António Feio.
Porque esta homenagem é também para todos os Antónios Feios desta vida.